
Cid (E) e Luiz Cláudio querem Justiça. Os planos para o futuro das famílias foram interrompidos pelo assassinato
Viúvos narram a dor da perda. Luiz lembra que segurou a mulher, Antônia, nos braços,
quando ela ainda agonizava; Cid era casado com Altair e acabou de celebrar 30 anos de união
FERNANDA VELLOSO
DA EQUIPE DO CORREIO
Quem passava pela Ponte
JK no sábado por volta
das 18h se comoveu com
uma cena dramática:
um poste caído sobre a parte
traseira de um Toyota Corolla
com a flandagem destroçada.
Ao redor do carro, a poucos metros
de distância, três corpos no
chão. Os gritos de desespero do
economista Luiz Cláudio Vasconcelos,
50 anos, chamavam a
atenção dos transeuntes — “Minha
mulher não, minha mulher
não…—, contou uma testemunha,
por telefone, na noite da
tragédia, que estava perto do
acidente. Naquele instante, Luiz
segurava a mulher, Antônia, nos
braços, que agonizava, após ter
sido arremessada do carro e se
chocado com o meio-fio de uma
das pistas da ponte.
“Ela morreu nos meus braços”,
contou Luiz, ao Correio, que dirigia
o carro, mal conseguindo segurar
as lágrimas. Quando os
bombeiros cobriram o corpo de
Antônia com um lençol, o marido
teve outra crise e repetiu a frase
“minha mulher não” várias vezes,
em estado de choque. Luiz Cláudio,
arrasado com a perda da mulher,
e da cunhada Altair e da amiga
Cyntia, disse que, no instante
em que o carro parou, após rodar
na via com o impacto da batida
do Golf, mesmo atordoado, conseguiu
abrir a porta e viu que a
cunhada, Altair Barreto de Paiva,
53 anos, já estava morta.
Em seguida, saiu correndo
em direção à mulher, Antônia
Maria de Vasconcelos, 49 anos,
que ainda estava viva. Ontem
pela manhã, amigos e parentes
visitavam o economista, que
mora no Park Way, para dar
apoio e ajudar a família. Casado
há 28 anos, Luiz Cláudio trabalha
no Ministério das Cidades.
Desolado, ele desabafou: “Esse
maluco destruiu três famílias.
Queremos justiça!”.
O casal tem três filhos: Cláudia
Barreto de Vasconcelos, 28 anos,
Luiz Mitilino de Vasconcelos, 25
anos e Leonardo Barreto de Vasconcelos,
16 anos. A mais velha,
Cláudia Vasconcelos é casada
com um norte-americano e acabou
de dar o primeiro neto, uma
menina, ao casal. Quando soube
do acidente, deixou o bebê de um
mês na Filadélfia (EUA), onde
mora e pegou o primeiro vôo para
o Brasil. Ela chegou ontem, no
final da tarde. Formada em administração
de empresas, a mulher
de Luiz era goiana e morava em
Brasília havia mais de 20 anos.
Trabalhava como assessora da
presidência na Confederação Nacional
da Indústria (CNI) e estava
entusiasmada porque comprou
as peças que faltavam para decorar
a casa.“Ela estava feliz porque
tinha encontrado vários artigos
que procurava. Finalmente terminávamos
um projeto de tantos
anos e agora acontece uma coisa
dessas”, lamentava Luiz Cláudio,
inconformado.
Duas irmãs
Além da mulher, Luiz Cláudio
também perdeu a cunhada no
acidente. Antônia era irmã de Altair
Barreto de Paiva. “Até agora
estou tentando acreditar que
perdi minha mãe e tia ao mesmo
tempo. Quando meu pai me ligou,
achei que era brincadeira”,
desabafou Cybelle Barreto de
Paiva, 29 anos, filha de Altair. O
pai de Cybelle, Cid Almeida de
Paiva, que não estava no carro,
mora em Goiânia e conta que
sua mulher, Altair, veio a Brasília
para visitar a irmã, Antônia. “Ela
queria descansar, ninguém imaginaria
que isso ia acontecer”, comentou,
abalado, Cid Almeida
de Paiva, 54 anos, que era casado
com Altair há 30 anos.
“Nosso aniversário de casamento
foi na semana passada, as
flores que dei para ela ainda estão
no jarro da mesa na sala de
estar”, lembrou, com desconforto,
a voz sufocada.
Altair deixou duas filhas. Antônia
e Altair foram veladas desde
ontem na capela 10 do Campo
da Boa Esperança. O sepultamento
de Antônia será hoje, às
11h, no mesmo cemitério. Depois,
a família seguirá para Goiânia,
onde o corpo de Altair ser
enterrado, às 18 h.
Momentos de desespero e silêncio
A terceira vítima do acidente
foi a arquiteta Cyntia Cysneiros
de Assis, 34 anos. Ela e o marido,
Cássio Resende de Assis
Brito, 40 anos, vieram a Brasília,
na sexta-feira, a trabalho. Foram
visitar Luiz Cláudio e Antônia,
casal de amigos, que também
eram seus clientes. “Viemos
aqui para auxiliar a decoração
da casa deles”, contou
Cássio, com a voz emocionada.
Ele estava no banco do carona
do Corolla e sobreviveu ileso
ao acidente. Quando percebeu
a tragédia Cássio entrou em
choque e foi levado ao Hospital
de Base do
Distrito Federal
por homens
do
Corpo de
Bombeiros.
O empresário
contou
que no acidente
tudo
aconteceu
muito rápido.
“Não vimos
sequer
o que foi que
nos atingiu.
Eu só senti o impacto e ouvi o
grito da minha mulher no banco
de trás. Como elas (Antônia e
Altair) estavam sem cinto de segurança,
foram jogadas para fora
do carro na hora”, lembrou.
Do lado de for a do carro,
sem ainda acreditar no que
acontecia, Cássio se dobrou ao
desespero, ao ver o corpo da
mulher no chão, com o crânio
esmagado, numa reação de
choque e supresa.
Ele lembra que demorou a
processar o acontecimento e
que só pensava nos filhos, horas
após a tragédia. Cássio não
se conforma e clama por justiça,
como os outros dois viúvos.
“É inconcebível que um crime
desses fique impune. Queremos
justiça”, exigiu o viúvo, dono
da loja de decoração Saioge,
em Goiânia (GO).
Cyntia formou-se em arquitetura
e urbanismo pela Universidade
Federal de Goiás
(UFG). Ela trabalhava também
com o marido,
como supervisora
de
projetos de
decoração
da loja de
Cássio.
A arquiteta
era casada
há oito
anos com
Cássio e mãe
dois filhos,
Y a s m i m
Cysneiros de
Assis, de 3
anos, e Cássio Filho, de 7 anos.
Cyntia tinha outros três irmãos.
No perfil de Cristine Cysneiros
do Orkut, site de relacionamentos,
amigos já deixavam
recados de condolências pela
perda da irmã.
O corpo de Cyntia Cysneiros
foi enterrado ontem em Goiânia,
no cemitério Jardim das
Palmeiras, em Goiânia. (FV)
Aqui, o Correio Braziliense cita o nosso blog
REVOLTA
Em reação às mortes
das três mulheres na Ponte
JK, um blog foi criado para
pedir justiça.Usa
expressões como “Monstro”
e “Assassino.
Moradores criticam limite de velocidade
HELENA MADER
DA EQUIPE DO CORREIO

Ana, Patrícia e Guy usam a ponte JK com receio de sofrer acidentes
O vaivém freqüente de carros
em alta velocidade preocupa
moradores do Lago Sul e
motoristas que circulam pela
Ponte JK. Pegas como o que
deixou três mulheres mortas
no último sábado são comuns,
segundo usuários da via. Outro
racha no principal cartão-postal
de Brasília, no século 21, já
havia feito uma vítima em 2004.
O advogado Francisco Augusto
Nora Teixeira, 29 anos, voltava
para casa, no Lago Sul, quando
foi atingido pela Mercedes
Benz do estudante Rodolpho
Félix Grande Ladeira, então
com 21 anos. O motorista participava
de um pega e estava a
165km/h quando atingiu o
Santana de Francisco, que não
participava do pega e morreu
na hora. Rodolpho fugiu sem
prestar socorro à vítima. Assim
como as três mulheres que
morreram no sábado, Francisco
não tinha nenhuma relação
com o racha na Ponte JK.
A ponte foi inaugurada em
2003 e melhorou a vida de moradores
do Lago Sul e dos condomínios,
que encurtou a distância
até o Plano Piloto. Mas,
rapidamente, a via se transformou
em mais um motivo de
preocupação para os motoristas.
“Quando entro de carro na
ponte eu fico mais tensa, seguro
mais forte no volante. As
pessoas cruzam na maior velocidade”,
conta a jornalista Patrícia
Nascimento, 35 anos, que
organizou um abaixo-assinado
para tentar reduzir a velocidade
máxima permitida na Ponte
JK e para pedir às autoridades a
instalação de travessias de pedestres.
Outros riscos
A professora Anna Grebot, 47
anos, também é uma defensora
dessas duas causas. Além de denunciar
os abusos de motoristas,
ela critica a falta de oportunidade
para os pedestres e usuários
de ônibus, que não têm nenhuma
opção para atravessar
as vias da ponte. “As pessoas
têm que ficar até 40 minutos esperando
para conseguir cruzar
as pistas. Outra mudança que
deveria ser feita é a redução da
velocidade permitida de
80km/h para 60km/h”, comenta
Anna. O Detran aumentou
para 80km/h o limite de velocidade
da pista depois de uma série
de estudos técnicos, para
dar mais fluidez ao trânsito.
Marido de Anna, o professor
universitário Guy Grebot,
43 anos, conta que, além de
pegas, os motoristas que passam
pela ponte JK correm outros
riscos. “Muitos carros que
usam até placas oficiais ultrapassam
o limite de velocidade.
Carros de deputados, ministros
e diplomatas passam por
aqui a mais de 100km/h. É
muita irresponsabilidade”, comenta
Guy.